sábado, 10 de maio de 2025

As pessoas oferecem o que gostariam de ser e entregam o que são.



Outro dia, me peguei pensando, com base em algumas experiências e percepções, que cada vez mais as pessoas estão criando uma personalidade no virtual e sustentando outra no real. Uma vez ouvi que eu era muito mais simpática por mensagem do que pessoalmente. Que, pessoalmente, eu era mais séria. E, nesse caso, achei a observação bem cirúrgica — de fato, sou mais séria em um primeiro contato. Já escutei também que sou brava. Brava… já não sei, se sei.

Fiquei pensando sobre essa desconexão entre a nossa personalidade no real e no virtual.

Por que o real se tornou tão desconfortável? Por que hoje responder espontaneamente e na hora nos gera, muitas vezes, reações de proteção? Como se o cérebro precisasse de um “delay” para avaliar e agir.

Tenho a sensação de que, no mundo virtual, podemos nos editar para versões que gostaríamos de ser. E, quando vamos para o real, não conseguimos fazer essa edição — causando uma distorção de personalidades. No virtual, temos coragem, entrega, humor e toda uma facilidade de ser o que não temos coragem de exibir no real: no olho no olho, no contato físico.

Viramos amedrontados da realidade, nos escondendo atrás de telas, onde apenas ali conseguimos ser nossa melhor versão e assim perdemos a coerência e autenticidade de nós mesmos — ainda mais agora, com a inteligência artificial que muda até o tom da nossa forma de dizer.

As identidades ficaram esvaziadas e medrosas diante do julgamento do outro e da sociedade.

No virtual, podemos disseminar amor e ódio sem barreiras ou fronteiras. Apoiamos causas, nos inserimos em movimentos populosos que nunca adotaríamos no mundo real, simplesmente por exigirem uma ação física.

Nossa identidade passou a ser definida pelos dedos: pelo dedilhar, pelas figurinhas e pelos memes — pela mente idealizada de nós mesmos e dos outros.

Quando, no real, o feedback do sentir, do experimentar, interage com nosso eu verdadeiro e toca todos os nossos gatilhos — sem que possamos disfarçar um olhar, um suor, um não saber lidar. Aí o interlocutor não reconhece, no real, a pessoa do virtual.

Cada vez fica mais claro para mim essa ruptura entre identidade virtual ou social e a pessoa real.

E, como diz o ditado, pau que bate em Chico também bate em Francisco. Devo fazer parte dessa mesma distorção. Será que terapia online resolve isso?

No virtual, escolhemos o que mostrar, e quando mostrar. Dá tempo de pensar. A reação ganha tempo para reagir. Escondemos uma boca trêmula, um coração acelerado, um sorriso nervoso. E o outro, do outro lado da tela, cria uma imagem com base na interpretação disso tudo.

Nessa distorção entre as personalidades do virtual e do real, a frustração com a imagem que construímos das pessoas se torna cada vez mais comum.

E como encontrar o caminho do meio? Como alinhar essas personalidades? Não sei. Vou perguntar ao GPT pra ver o que ele diz. Agora, nem do outro precisamos mais. O próprio GPT nos elogia, nos avalia, nos valida. E, em segundos, me sinto ainda mais autossuficiente.

De qualquer forma, entendo que esse alinhamento entre personalidades não é uma decisão racional. A energia do virtual é diferente da energia do real — e, em ambos, sentimos diferente, e por isso deixamos fluir de forma diferente.

No virtual, temos como base a interpretação, idealização, imaginação e projeção. No real, temos interação, reação, energia latente, olho no olho, cheiro, linguagem corporal, sabores e momentos reais.

Como diz a minha frase: a realidade tem um sabor que a imaginação não sabe; Na maioria das vezes, a realidade será minimamente diferente da imaginação.

Quantas vezes reservamos um hotel pela internet e, ao chegar, percebemos que o que tínhamos na mente era bem diferente da realidade?

Real e virtual são experiências que partem de perspectivas diferentes, mas nossa autenticidade deve ser única. Talvez o caminho para esse equilíbrio seja: fantasiar menos no virtual e tolerar mais no real. Projetar menos no virtual e se permitir mais no real.

E, também talvez, a pergunta mais consciente seja: sou capaz de sustentar isso no real?

E, já que todos aqui somos capazes de uma autoanálise:

Você se percebe como a mesma pessoa no virtual e no real?


Resposta do GPT (Caraca, sou muito boa!!Rs) 

Talvez o alinhamento entre o virtual e o real não seja sobre ser igual em todos os contextos, mas sobre ser coerente. O caminho do meio pode estar na auto-observação: entender que não precisamos agir da mesma forma sempre, mas que nossas expressões — online ou offline — estejam alinhadas com quem realmente somos. Não se trata de eliminar nuances, mas de reduzir a distância entre a versão que mostramos e aquela que conseguimos sustentar no olho no olho. Quando há verdade, ainda que com diferenças de tom, há autenticidade. E talvez seja isso que falta: coragem para sermos inteiros, mesmo com as imperfeições expostas.

A menina e o Sabático

 



Muitas pessoas me perguntam o que me motivou a fazer um sabático. 
Acho uma pergunta legítima, porque cada pessoa tem sua motivação — mesmo sabendo que poucas pessoas fazem um sabático.
O segundo comentário geralmente é: “Que coragem.”
Mas há momentos na vida em que não se trata de razão, e sim do que faz sentido para você naquele instante.

E o que faz sentido para mim pode ser completamente diferente do que faz sentido para você, porque cada um tem sua própria história. Talvez a pergunta mais importante seja: você é protagonista da sua própria história?

Se me perguntarem, posso dizer que sim. Acho que até demais.
Mas, voltando ao sabático: o que me levou a tomar essa decisão? Eu tinha o emprego perfeito, o apartamento perfeito, os amigos que escolhi e a academia perfeita (acho até que aborreci as pessoas com tanto amor por ela!).
Mas, para entender meu sabático, é preciso considerar dois aspectos que me transformaram profundamente: a fé e o exercício.

Cada pessoa que faz um sabático tem um propósito — uma motivação muito particular. Afinal, o que leva alguém à decisão de dar uma pausa ou viver experiências que dificilmente aconteceriam num fluxo de vida “normal” é diferente para cada um.

Para uns, é pausa; para outros, fuga; para outros ainda, resgate. No meu caso, foi transbordo.

Não sei se todos conhecem a história da lagosta. Quando ela cresce e se desenvolve, sua carapaça começa a apertar. A lagosta, então, precisa romper aquela casca. Nesse processo, ela fica nua, vulnerável, com medo de ser devorada por predadores.
Instintivamente, se esconde debaixo das pedras, onde se protege enquanto uma nova carapaça se forma — uma que lhe caiba. Esse esconderijo é seu abrigo diante da vulnerabilidade.

Foi isso que aconteceu comigo: fui lagosta. Minha pele já não me cabia mais, mesmo que eu genuinamente amasse a vida que construí. Mas, às vezes, a vida é maior do que conseguimos enxergar.
Existe o que sabemos, o que sabemos que não sabemos, e o que nem fazemos ideia que existe. E foi essa parte — a que eu nem sabia que existia — que me moveu.

Tem horas em que nos perguntamos:
O que nos prende? O que nos motiva? O que nos faz querer?

Nunca fui uma pessoa desprendida, aventureira ou que se adapta fácil a qualquer contexto.
Mas, se o controle me levou tão longe… imagine onde o “sair do controle” pode me levar?

Essa motivação, junto ao que fazia sentido naquele momento da minha vida, me levou à decisão.
Falando assim, parece uma decisão com um peso enorme — mas esse peso só existe para quem carrega fatores limitantes. E isso faz com que não ir seja tão legítimo quanto ir.

As histórias são particulares. Os sonhos, também.
Somos do tamanho daquilo que decidimos.

Desde o dia 1, quando deixei o mercado corporativo e minha bolha perfeita, passei a me despir do que não me pertencia mais e a me abrir ao que podia acontecer.
A fé teve (e tem) um papel transformador e singular nesse processo. Porque, quando você decide acreditar no processo, sua vida passa a estar a serviço do acaso — mesmo que você tenha planejado tudo.

O controle é uma ilusão.

Quando escrevi minha carta de demissão, me despedi, saí de todos os grupos de WhatsApp, aluguei meu apartamento (aquele que levei uma vida para comprar e reformar), empacotei minha vida e coloquei tudo em um storage, me despedida dos amigos, da família: entendi que o controle não era mais meu. Estava abrindo espaço para o que a vida estivesse disposta a me entregar.

Viver é um ato de coragem.

Desapegar do seguro nunca é fácil, mas eu estava disposta a viver o que não me preparei para viver.

Receber também é um ato de sabedoria.

E foi isso que aconteceu.
Me permiti receber, sentir, olhar, parar, contemplar, dormir, cantar, escrever, conhecer, chorar, não fazer nada e fazer tudo.

Aprendi que a gente se leva. A gente constrói "a mesma vida" em contextos diferentes, com pessoas diferentes. Porque "a mesma vida" somos nós — nossa essência. E nossa essência, em diferentes contextos, se multiplica.

Quando nos permitimos “mudar tudo”, inclusive a nós mesmos, é impossível não entrar em crise. Seria minimamente estranho viver tantas coisas diferentes e sentir tudo igual. A crise faz parte da transformação. E não há transformação sem crise.

No momento da crise, só podemos fazer uma coisa: abraçá-la, aceitá-la, deixar o tempo trazer as respostas.
Mas, teimosos que somos, queremos encontrar uma resposta — mesmo sem saber exatamente qual é a pergunta.

Passei pela ansiedade, medo, euforia, plenitude, liberdade, crise, angústia e finitude. E o único sentimento que me acompanhou o tempo inteiro foi: gratidão.

Quando eu não sabia o que viria, fiz movimentos. E a vida respondeu, colocando no meu caminho o que era necessário naquele momento.

Recebi, fiz minhas malas e voltei para a minha antiga vida — porque o que é nosso, ninguém tira. Me abri novamente para sentir tudo o que esse novo/antigo contexto ainda tinha para me mostrar. E percebi que estou vivendo entre mundos.

O que será?
Talvez em um próximo texto a gente descubra...

Novos ciclos.






Um novo ciclo tem um sabor de dor e felicidade ao mesmo tempo. Dor porque, infelizmente, somos muito apegados ao passado, e nem sempre o velho ciclo era ruim — ele apenas não cabe mais. E até o que foi ruim, temos dificuldade em desapegar. Para que tanto apego, se precisamos praticar o desapego?

Felicidade porque — quem não gosta do novo, da descoberta, do inesperado e daquele frio na barriga? A novidade pulsa, e os desafios também. É como cortar o cabelo: por mais que esteja com pontas, minguado e sem brilho, a incerteza do novo corte dá insegurança, medo de não ficar bom — e depois, todo um processo de adaptação. E quando não fica bom, nos punimos pela má escolha.

Não adianta fingir que não sabemos quando um ciclo se encerra.

A gente tenta se enganar, coloca uma venda nos olhos, se esconde atrás da árvore… mas, se a coragem não vem, às vezes é a própria vida que vem nos buscar para novos ciclos. Há ciclos dos quais não queremos sair porque são bons, gostosos, quentinhos — e, para nós, perfeitinhos também. Aí vem a vida, nos dá uma rasteira, tira nosso chão e nos obriga a lidar com a frustração de viver uma nova vida, ou um novo ciclo que não queríamos viver.
Até a dor tem sua beleza, porque ela nos engrandece. A gente só cresce no caminho da dor — e quem não quer ser maior? Ok, tem gente que não quer, e tudo bem. Fica pelo caminho, ou acompanhado de pessoas do seu próprio tamanho… ou de quem só está de passagem.

Crescer, evoluir, ser maior, mais espiritualizado, e se tornar aquele que descobre as insignificâncias é, também, abrir mão de muita coisa — e de muitas pessoas.

Somos diretamente influenciados pelas cinco pessoas com quem mais convivemos. O mais difícil é chegar ao simples. E, quando se chega, também se torna mais simples entender certas coisas — e agradecer, como se um nó tivesse se desfeito.
Tem horas em que não se trata da razão, mas do que faz sentido no momento. Tem horas em que faz sentido comer um doce que sua avó fazia, ou simplesmente porque você quer. E tem horas em que não faz sentido comer um doce e sair da dieta.

Agradeço à maturidade, que me ajuda a sofrer menos com certas decisões — mesmo quando Nossa Senhora do Ego vem me atormentar.

Só sei que os novos ciclos sempre precisarão dos antigos para existir — e talvez esteja aí a resposta que a gente tanto busca. Não seríamos quem somos se não tivéssemos passado pelo que passamos. Querer permanecer no mesmo ciclo é imaturidade emocional. Entender que a vida é cíclica é liberdade emocional.

Feliz novo ciclo!