Antes tudo era estranho, as ruas, as pessoas, o cheiro, a humidade. Me sentia estranha. Será que tomei a decisão certa? A estação de trem, de metrô, cenários tão comuns e tão incomuns para mim. Tudo era novo, até escolher direita e esquerda não parecia tão simples. Mas a vista, a sensação de liberdade compensava qualquer insegurança e dúvida quanto ao estável e certo deixado.
No caminho, as pedras portuguesas me guiavam, assim como me faziam escorregar, aí entendi que precisava usar o calçado certo para melhor seguir na caminhada. Também não estava acostumada com as ladeiras. As ladeiras sempre deixam mais difícil chegar ao topo, mas as dificuldades que nos possibilitam chegar até lá, ou não.
Aos poucos, mas bem rapidamente, tudo foi se tornando conhecido e mais colorido, o medo deu espaço à intimidade e conforto. As pessoas não eram mais estranhas, mas sim amigas, acolhedoras. O estranho muitas vezes nos paralisa, mas tem horas na vida que sabemos que temos que transbordar, o quê? Não sei. Só sei que igual não mais serei. E foi isso que vim buscar, uma nova eu, melhor, mais inteira, mais madura, mais corajosa e cheia de vida. Abraçar o inesperado sempre foi um medo, receber também, e hoje não mais os tenho.
Nem sempre o que serve para mim, serve para o outro, mas o que importa é o que te importa. Por anos fiquei tentando caber nas minhas e nas expectativas dos outros. No planejado, no idealizado principalmente. E isso até me levou a muitos lugares e a muitas frustações, mas acho também que faz parte, assim como fazer planos e mudar todos. O importante é a evolução. Faz um pouquinho, erra, aprende, segue, cria uma opinião, muda, depois muda novamente cheio de certezas, até entender que qualquer certeza nem sempre é certa. O que existe é o que é certo, ou o que melhor nos cabe em cada momento. E foi isso que entendi.
Essa experiência tem sido incrível. Lindo poder pegar a sua vida, olhar para ela e decidir que o seu único compromisso é com você mesmo. Que você é dono de si e que pode fazer somente o que quiser. Lógico que não controlamos tudo e seres maduros sabem sobre responsabilidades e prudência. Quando criança sempre quis ter superpoderes; hoje tenho, e sei disso. Mas, esse superpoder tem que saber a hora de utilizá-lo e se pode utilizá-lo. Felizmente, posso me proporcionar isso. O que me faz olhar para trás e sorrir com cada pedra, cada não que me disseram, cada não que me disse, cada piano que empurrei, cada um que não quis ficar, cada sapo que engoli, cada noite que não dormi, cada escolha que não queria fazer e fiz, cada hora de terapia, cada desafio que assumi - que me trouxe até aqui, com frutos emocionais e financeiros que me proporcionam viver o momento mais pleno e feliz da minha vida. Nunca havia entendido a liberdade tão inteira. A liberdade não é uma condição, é um sentimento. O que me faz entender e comprovar que apesar de não ter sido o que planejei lá no passado para mim, é o melhor plano que a vida pôde me dar e não há espaço que caiba maior gratidão. Sem saber, eu mesma criei isso e sem saber sigo, sem saber o que virá.