Exercícios Literários

Pipocando a desordem

Será que o inovador é aquele desordenado ordenado? Se não fossemos ordenados... se fossemos pura desordem... Será que seríamos loucos? Seria a loucura a desordem mental e emocional em sua essência, jogada sem qualquer ordem ou razão? O artigo de José Castello do O Globo de sábado, de 25 de Maio de 2013, foi sobre a defesa da desordem.

A minha desordem.... como tudo começou? Não sei.... cavucando aqui nas minhas lembranças, emoções e sensações, acho que minha desordem deu o ar de sua graça desde quando minha personalidade começou a se formar. Posso dizer então, que começou cedo, precoce, apressado, já achando tarde o seu começar.
Como as crianças dos porquês, por que isso, ou aquilo. Acredito depois de grande, que o entendimento dos porquês, pode ser só o entendimento do que acham que é certo, ou errado para um mundo loucamente normal - quanta ordem!

Pensando sobre o tema, chego à conclusão, ou a elucubração, de que a desordem somada a ordem gera inovação. Inovação que pode ser arte, poesia, ou qualquer coisa que traga singularidade - perfeitamente imperfeita. Afinal, a utopia da perfeição é o resultado de divergências imperfeitas.

Mesmo sem entender os porquês muitas vezes - principalmente na gramática, sempre fui daquelas dos pensamentos falados, como as crianças, que expõe sua espontaneidade de lógica própria. Pena que com o tempo e a ordem, essa mesma criança cresce, e naturalmente acaba perdendo a poesia da desordem.  
Tem certas coisas que não tem explicação, e nem sei se deveriam ter, é apenas uma desordem aceitada, ou uma ordem adequada.

Por isso, eu orgulhosamente me apresento, hoje, como uma grande pipoqueira: cheia de ideias que pulam sem muita ordem e direção, mas, sempre com força, cheiro, forma, beleza e sabor... Muitas vezes dando sustos, e com aquele cheiro que invade qualquer ambiente – podendo causar enorme vontade, água na boca, ou desconforto...

Bom? Ruim? Você decide como quer me ver, ou se ver. Tente organizar sua desordem, ou desorganizar sua ordem, para ver no que dá.

No fundo, todos somos milhos, só que nem todos se estouram..... que pena!


Conto escrito com base em uma história engraçada da infância: 


Tenho medo da Luluzinha

Luluzinha, não aquela da turma do Bolinha era uma criança especial. Especial por ser cheia, redonda, entupida de personalidade. Tinha tanta personalidade para um corpo mirim de nem quatro anos, que os adultos às vezes chegavam a pensar que Luluzinha podia ser uma anã, ou ter algum adulto escondido ali dentro.

Luluzinha causava até certo incômodo às pessoas por esse jeito maduro demasiado para uma criança. As mais inusitadas respostas saiam: “Seu velho maluco, eu pedi um arco e flecha de Natal, não leu minha cartinha não?”. Mesmo com falha linguística, Lulunha tinha sempre muita propriedade no que dizia.

Enquanto as crianças estavam descobrindo o mundo, tirando os laços colocados por suas mães no cabelo, Luluzinha queria reivindicar seus direitos de escolher suas próprias roupas, que na maioria das vezes eram fantasias de super heróis, mesmo que fosse para ir à feira com a avó.

Theodoro seu coleguinha da escola morria de medo de Luluzinha, ficou com mais medo ainda quando viu o filme O Exorcista com seu irmão mais velho e cismou que Luluzinha um dia ainda sairia rodando a cabeça e vomitando nas crianças no recreio.

Quando Luluzinha cismava que não queria algo, era um inferno, sua mãe não ganhava uma e foi até fazer terapia, pois era muito pesada a humilhação de não conseguir negociar com uma zigota de nem quatro anos. Nem o Rivotril acalmaria aquele Alexandre O grande dentro de Luluzinha.

Em uma sexta-feira qualquer, Luluzinha se revoltou com seus pais e resolveu sair de casa. Disse que estava impossível continuar morando ali com tantos horários chatos. Foi até o seu quarto, pegou a gaveta de calcinha, jogou em uma sacola e seguiu como soldadinha em direção à porta principal do apartamento rumo à liberdade. Assustado, seu Pai levantou do sofá e disse:

- Luluzinha???
- Adeus, Pai! – e abriu a porta.
- Calma minha filha, não vá.... – e foi até a cozinha.

Luluzinha ficou ali parada na porta aberta aguardando o que seu Pai faria para não deixar sua filhinha sair de casa....

- Leve a lata de biscoito, minha filha.... - Lhe entregou a lata cheia de biscoitos e fechou a porta.

Luluzinha ficou no hall do prédio com a sacola de calcinhas numa mão e a lata de biscoitos na outra, chorando. Naquele momento Luluzinha descobriu que grande ou pequena o medo é atemporal.

- Paiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii coloca no meu facebook que a independência não é legal?



Texto baseado no filme As cores das flores: 




Joãozinho viu

Joãozinho não sabia ler, mas Joãozinho sabia sentir. E por isso, fazia graça com aqueles que sabiam ler, mas nada sabiam sentir.

Joãozinho sabia todos os significados das palavras, e talvez por isso, era um excelente leitor.

Joãozinho escrevia histórias imaginárias capaz de deixar a imaginação sem palavras, pois sabia coloca-las em seu devido lugar. 

Como Joãozinho não sabia ler, quem o guiava para escola não eram as placas, mas sim os passarinhos e assim, Joãozinho entendia também o que os pássaros lhe diziam.

Nada passava despercebido aos sentidos de Joãozinho.

Um dia, no caminho da escola, uma propaganda levada pelo vento dizia: “Cirurgia para cegos”, mas como Joãozinho não sabia ler, jogou fora o papel na primeira lixeira da esquina. E naquele dia de sol Joãozinho seguiu seu caminho até chegar a escola ouvindo o canto dos pássaros.  

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Ana, cheguei até seu blog pelas aleatoriedades do destino (ou seria sincronicidade?) motivado pela sua postagem de um quadro do Laerte que você fez no Instagram. Adorei seus textos! Fiquei até animado a começar a colocar em textos meus devaneios e observações sobre o cotidiano... Quem sabe um blog vem aí?!
Muito obrigado!
Abraços
Marcelo

PS: também tenho quadros do Laerte e fico buscando paredes em casa para ter mais! �� Viva à arte!!!