terça-feira, 20 de agosto de 2013

Publicamente particular

Sexta-feira, a semana foi pesada, bem pesada. Preciso de um chopp para relaxar e um bom papo com os amigos. Entro no táxi, afinal sou moradora de uma cidade onde a Lei Seca brota em cada esquina, para educar e tirar o dinheiro dos bebuns de plantão. Para onde vai todo esse dinheiro? O táxi segue, mas fico com a sensação de que esqueci algo.... chave, cartão de crédito, batom... tudo dentro da bolsa... Ai, meu telefone! Esqueci meu telefone! Vou voltar, fato. Deixei carregando, que bosta! Como posso ficar cinco minutos sem ele, sem whapp e todas as formas de comunicação?

- Motorista, vamos voltar, preciso pegar meu telefone.
- Claro, dona, até porque como você vai chamar o táxi sem o aplicativo?
- Não, moço... desisti... pode seguir... hoje vou sair sem ele....

Chegando no bar, cadê o pessoal? Não via ninguém. Só via o meu telefone lá carregando na tomada. Rodei, rodei e nada, estava nua. Será que eles tinham ido para outro bar? Como saber? Como vivíamos sem tecnologia antes? Afiiii... pensei: mais uma volta olímpica e pulo para o outro bar.

Deslocada, achei minha trupe no canto escondido do bar lotado. Chope na mão e na outra, uhmmm, na outra um enorme vazio. Na minha frente, todos estavam com seus aparelhos iRicos se divertindo, postando fotos, mandando mensagens e compartilhando com o grupo. Sentia cócegas, abstinência e raiva daquela imagem da tomada carregando meu objeto de desejo. Saí de casa para me desconectar e minha maior vontade era estar conectada.

Fiquei por cinco minutos parada observando o bar e lógico, só eu o observava - não o contrário. Estava no modo invisível, mesmo vestida como um carro alegórico. Milhares de pessoas conectadas nas suas próprias mesas de bar virtuais, de forma publicamente particular. Papos paralelos, personalizados, interativos, cheios de risadas, sorrisos e brilho no olho. Bastava um fulano puxar o aparelhinho, que era hora de todos puxarem também, quase que por educação ou efeito bocejo.

Pensei em mudar de bar, mas não tinha como saber se o outro estaria melhor. Soube que agora tem aplicativos GPSs de paquera que estão sendo usados nos bares. E me perguntei aonde foram parar os olhares? Melhores e bem mais 3D que qualquer aplicativo.

Ninguém mais mora sozinho, ninguém mais não é visto – mesmo que não possa ver. A tecnologia chegou para ficar, para preencher e aumentar o vazio, para aproximar e afastar, para simplificar e confundir, para viciar e repulsar, para facilitar e complicar, para aproximar e afastar, para mostrar e querer esconder, para seduzir e ferir... comunicar aquilo que nunca será dito, ou dizer tudo que jamais seria falado.

Criamos uma identidade, uma personalidade virtual forte, cheia de hábitos, vícios e aplicativos pessoais. Perdemos a identidade real. Essa aí ficou fraca, perdida, carente, sozinha, deixada de lado, sem expressão, completamente apática, mais uma na multidão.

Dificilmente passaremos pelo desapego tecnológico, até porque terapia hoje já pode ser feita por qualquer aplicativo de vídeo conferência. O virtual tende a crescer na sua ampla capacidade imaginária, nos deixando de mãos atadas nesse mundo novo.


Com nada nessa mão, nem na outra, resolvi pedir mais um chope e me deixar carregar 100% desse bar cheio de ausentes, sem qualquer conexão.

2 comentários:

Creatore Atelier de Arquitetura disse...

Amei! "ëfeito bocejo", é tão isso...
Bom demais, amiga! <3

Felipe Pagiola disse...

Cara... Definitivamente é isso... Vou tacar meu celular no primeiro terreno baldio que eu ver e comprar um cartão telefônico caso precise ligar pra alguém (se lembrar do número...rs).