quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O apartamento.



Conto escrito para o Clube da Leitura em 09/10/2012 sobre:  Escadas, planos e outras dimensões.

Há quatro anos resolvi dar um passo, subir um degrau na vida - sair de casa e da aba de meus pais. Passei dois anos estudando para concurso e há quatro saiu tudo de uma vez, eu de casa, e meu cargo de fiscal do INSS.

Quando achei que não conseguiria nem sair da mesada, fui capaz de dar foco em alguma coisa, já que me relacionar nunca foi o meu forte - principalmente depois que Jaqueline me deixou por um publicitário charmoso que a levava para passear no sul da França. Talvez, eu não fosse mesmo para ela. Suas ambições eram grandes demais, seus sonhos também, já eu, não sei se quero galgar tantos degraus assim, mas para Jaqueline o topo da maior pirâmide do Egito, ou a Mont Blanc – eram suas aspirações. Eita mulher colorida, fogosa, interessante... é... mas, me deixou.  

Outro dia vi no Facebook seu casamento na Itália em um entardecer ensolarado com o tal publicitário; linda, parecia uma princesa – e eu, me senti o menor dos insignificantes, aqui neste apartamento, sozinho, fiscal do INSS, sem ela e seu colorido, admirando sua vida pela tela do computador.

O bom que da casa dos meus pais restou o Playstation, meu companheiro de cada dia e descobri pela internet os campeonatos de pôquer, que também me fazem companhia em dias cinzentos.

Achar um apê na zona sul por um preço que eu podia pagar não foi uma missão simples, mas me empenhei e encontrei algo bem vintage em uma ruazinha sem saída de Ipanema. Sem qualquer pretensão. Achei um prédio, através de uma corretora que esbarrei na rua que usava saia de bolinhas verdes e uns óculos no estilo Rayban vermelho. Apesar de pitoresca, não é que essa senhora achou talvez o mais próximo de sólido do que já tive até hoje.

Neste apertamento de 45m2, sem elevador, de três andares, construí alguma coisa que posso chamar de minha, mesmo que isto não signifique nada para Jaqueline, que foi colorir a Itália com seu vestido de noiva rendado com a cara da riqueza e seu publicitário, com a cara do que podemos chamar de bem sucedido. Já eu, nem a barba fiz, e estou pensando ir de Crock a padaria comprar um frango assado.


Aqui são doze apartamentos, porém o terceiro andar, são dois quartos e bem mais amplo. Para quem é sozinho, este degrau a cima fica espaçoso demais para um resta um. Pois é... outro dia escutei uma amiga dizer: Se o amor é um jogo, o meu só pode ser o resta um. E se o amor é para todos, cadê o meu? Ela apesar de linda, bem sucedida, e super gente boa, não poderia ser minha, pois já foi de meu irmão. Mais um não entendimento dos encontros. Pensando melhor, se o amor é um jogo, acho que o meu esta mais para jogo da velha. O que tem de coroa tarada dando em cima de mim.... a dona Neide do 104, perde a noção da realidade quando me encontra voltando da academia com sacolas do mercado para subir as escadas do prédio. Outro dia ela me imprensou na parede e disse que adorava meu cheiro salgado. De onde essa louca tirou essa liberdade? Dever ter taras e fantasias comigo entre o 1º e 2º andar.

Taras eu tenho com a vizinha de cima e inveja, tenho de seu marido, aquele cara é bom. O sexo ali no mínimo quatro vezes por semana. Escuto todas às vezes. Meu quarto é bem embaixo. Já sei a posição que gostam e como ela goza rápido. Sei como ela o seduz. A única coisa que não sei é o cheiro, o cheiro daquele sexo. O resto sei até dedilhar.

Eles formam uma família linda, tem uma filha de três anos, a Betina. Uma criança de cabelos mel e olhos de bola de gude, que brilham como criptonita, quando me vê. Adoro fazer festa quando a vejo no seu carrinho da Barbie brincando pelos corredores. No prédio não tem crianças, e Betina é exatamente a menina de cachos que gostaria de ter como filha. Ela é a cara de Jaqueline. Cabelos mel com olhos esverdeados. Mas, Jaqueline me deixou e não sei mais quantos anos vou passar dizendo isso sem seguir adiante.

Outro dia a transa de Paulo e Bete, foi incômoda. Voltavam de alguma festa. Betina dormia e eu jogava pôquer – em baixo deles. Não estava esperando sentir o que senti. Fiquei excitado e incomodado, é incomodado, com a intimidade deles, de um casal, casado, amigos e amantes. Amantes se amando, se devorando. Bete se despiu - peça a peça esfregando seu corpo no de Paulo, o dominou, prendeu seus braços com sua gravata, muito provavelmente a festa era um casamento. A parte menos excitante da noite, foi Bete ter colocado o CD do Naldo, na Veia. Ela rebolou seu bum bum empinado na cara de Paulo, que estava com as mãos presas,  e eu fiquei literalmente na mão. Mas, não é que o toque brega pode alimentar e muito o amor? Já me masturbei escutando Preta Gil. Vai entender a libido!

Bete, deixou Paulo imóvel e duro, lhe deu uma chave de coxa e se encaixou por cima, ela adora cavalgar e gemer - como geme aquela mulher, uma delícia de ouvir. Às vezes fico em casa só como voyer daqueles dois. Melhor do que ir a um sambinha fundo de quintal com amigos que só falam besteira e ficam com a primeira menina que passa vestida de Renner.

Passei dessa fase, queria subir um degrau. Mudar para o apartamento de cima, ter uma Bete me amando, poder me compartilhar com alguém, me doar, receber, levar Sophia ou Antônio para passear no parquinho da frente. Comprar pão sem Crock e tomar café no Jardim Botânico. Ter um carro maior para as cadeirinhas e planejar a viagem de férias da família, como Paulo e Bete fazem todo ano com Betina.

Mas, nem sempre os degraus são para todos, ou o tempo que ficamos neles depende só de nós. Por mais que eu queira subir rapidamente as escadas da vida, é preciso aprender a ir step by step com paciência. Por isso, olho ao redor, realizo o que tenho para hoje, volto para o meu pôquer, ligo a Preta Gil, deixo o Naldo na Veia, e fico na mão imaginando bons momentos com você que ainda esta por vir.

5 comentários:

Felipe Boaventura disse...

a metáfora dos andares é muito boa. ganhou meu voto aqui, rs.

Ana Flavia Corujo disse...

Obrigada Felipe! Para o alto e avante!! Vc tem blog??

Eduardo S. M. Cesar disse...

"My name is Luka
I live on the second floor
I live upstairs from you
Yes I think you've seen me before" Suzanne Vega

Ana Flavia Corujo disse...

Ahaha... adorei, Eduardo! Vem tomar um café no 1o andar! rs...

Jorge Ramiro disse...


A fotografia bonita, eu moro em um prédio antigo. Meu apartamento é a estrutura departamental de idade e tem uma escada que é muito semelhante ao da foto. beijos