Conto escrito para o Clube da Leitura em 09/10/2012 sobre: Escadas, planos e outras dimensões.
Há quatro anos resolvi dar um
passo, subir um degrau na vida - sair de casa e da aba de meus pais. Passei
dois anos estudando para concurso e há quatro saiu tudo de uma vez, eu de casa,
e meu cargo de fiscal do INSS.
Quando achei que não conseguiria
nem sair da mesada, fui capaz de dar foco em alguma coisa, já que me relacionar
nunca foi o meu forte - principalmente depois que Jaqueline me deixou por um publicitário
charmoso que a levava para passear no sul da França. Talvez, eu não fosse mesmo
para ela. Suas ambições eram grandes demais, seus sonhos também, já eu, não sei
se quero galgar tantos degraus assim, mas para Jaqueline o topo da maior
pirâmide do Egito, ou a Mont Blanc – eram suas aspirações. Eita mulher colorida,
fogosa, interessante... é... mas, me deixou.
Outro dia vi no Facebook seu
casamento na Itália em um entardecer ensolarado com o tal publicitário; linda,
parecia uma princesa – e eu, me senti o menor dos insignificantes, aqui neste
apartamento, sozinho, fiscal do INSS, sem ela e seu colorido, admirando sua
vida pela tela do computador.
O bom que da casa dos meus pais
restou o Playstation, meu companheiro de cada dia e descobri pela internet os
campeonatos de pôquer, que também me fazem companhia em dias cinzentos.
Achar um apê na zona sul por um
preço que eu podia pagar não foi uma missão simples, mas me empenhei e
encontrei algo bem vintage em uma ruazinha sem saída de Ipanema. Sem qualquer
pretensão. Achei um prédio, através de uma corretora que esbarrei na rua que usava
saia de bolinhas verdes e uns óculos no estilo Rayban vermelho. Apesar de
pitoresca, não é que essa senhora achou talvez o mais próximo de sólido do que
já tive até hoje.
Neste apertamento de 45m2, sem
elevador, de três andares, construí alguma coisa que posso chamar de minha,
mesmo que isto não signifique nada para Jaqueline, que foi colorir a Itália com
seu vestido de noiva rendado com a cara da riqueza e seu publicitário, com a
cara do que podemos chamar de bem sucedido. Já eu, nem a barba fiz, e estou
pensando ir de Crock a padaria comprar um frango assado.
Aqui são doze apartamentos, porém
o terceiro andar, são dois quartos e bem mais amplo. Para quem é sozinho, este
degrau a cima fica espaçoso demais para um resta um. Pois é... outro dia
escutei uma amiga dizer: Se o amor é um
jogo, o meu só pode ser o resta um. E
se o amor é para todos, cadê o meu? Ela apesar de linda, bem sucedida, e
super gente boa, não poderia ser minha, pois já foi de meu irmão. Mais um não
entendimento dos encontros. Pensando melhor, se o amor é um jogo, acho que o
meu esta mais para jogo da velha. O que tem de coroa tarada dando em cima de
mim.... a dona Neide do 104, perde a noção da realidade quando me encontra
voltando da academia com sacolas do mercado para subir as escadas do prédio.
Outro dia ela me imprensou na parede e disse que adorava meu cheiro salgado. De
onde essa louca tirou essa liberdade? Dever ter taras e fantasias comigo entre
o 1º e 2º andar.
Taras eu tenho com a vizinha de
cima e inveja, tenho de seu marido, aquele cara é bom. O sexo ali no mínimo
quatro vezes por semana. Escuto todas às vezes. Meu quarto é bem embaixo. Já
sei a posição que gostam e como ela goza rápido. Sei como ela o seduz. A única
coisa que não sei é o cheiro, o cheiro daquele sexo. O resto sei até dedilhar.
Eles formam uma família linda,
tem uma filha de três anos, a Betina. Uma criança de cabelos mel e olhos de
bola de gude, que brilham como criptonita, quando me vê. Adoro fazer festa
quando a vejo no seu carrinho da Barbie brincando pelos corredores. No prédio
não tem crianças, e Betina é exatamente a menina de cachos que gostaria de ter
como filha. Ela é a cara de Jaqueline. Cabelos mel com olhos esverdeados. Mas,
Jaqueline me deixou e não sei mais quantos anos vou passar dizendo isso sem
seguir adiante.
Outro dia a transa de Paulo e
Bete, foi incômoda. Voltavam de alguma festa. Betina dormia e eu jogava pôquer
– em baixo deles. Não estava esperando sentir o que senti. Fiquei excitado e
incomodado, é incomodado, com a intimidade deles, de um casal, casado, amigos e
amantes. Amantes se amando, se devorando. Bete se despiu - peça a peça
esfregando seu corpo no de Paulo, o dominou, prendeu seus braços com sua
gravata, muito provavelmente a festa era um casamento. A parte menos excitante
da noite, foi Bete ter colocado o CD do Naldo, na Veia. Ela rebolou seu bum bum
empinado na cara de Paulo, que estava com as mãos presas, e eu fiquei literalmente na mão. Mas, não é
que o toque brega pode alimentar e muito o amor? Já me masturbei escutando Preta
Gil. Vai entender a libido!
Bete, deixou Paulo imóvel e duro,
lhe deu uma chave de coxa e se encaixou por cima, ela adora cavalgar e gemer -
como geme aquela mulher, uma delícia de ouvir. Às vezes fico em casa só como
voyer daqueles dois. Melhor do que ir a um sambinha fundo de quintal com amigos
que só falam besteira e ficam com a primeira menina que passa vestida de
Renner.
Passei dessa fase, queria subir
um degrau. Mudar para o apartamento de cima, ter uma Bete me amando, poder me
compartilhar com alguém, me doar, receber, levar Sophia ou Antônio para passear
no parquinho da frente. Comprar pão sem Crock e tomar café no Jardim Botânico.
Ter um carro maior para as cadeirinhas e planejar a viagem de férias da
família, como Paulo e Bete fazem todo ano com Betina.
Mas, nem sempre os degraus são
para todos, ou o tempo que ficamos neles depende só de nós. Por mais que eu
queira subir rapidamente as escadas da vida, é preciso aprender a ir step by
step com paciência. Por isso, olho ao redor, realizo o que tenho para hoje, volto
para o meu pôquer, ligo a Preta Gil, deixo o Naldo na Veia, e fico na mão imaginando
bons momentos com você que ainda esta por vir.