Acordei
tropeçando na falta de vontade de sair do mundo dos sonhos. Mas tive que deixar
meu casulo ao som do cuco e os abraços do algodão quente para mergulhar nas
águas frias do despertar. E assim, o dia sorriu para mim. Preenchi o rombo no
estômago com o sabor da manhã. Alimentei o corpo... agora sairia para alimentar
a vida e abastecer o bolso.
Desci no
elevador teco-teco e caminhei através da paisagem urbana arborizada para mais
um dia tradicionalmente comum. Conversei com o vento para parar de bagunçar
meus cabelos e senti o cheiro verde das plantas. Senti também o cheiro amarelo
dos bichanos domésticos e daqueles que cismam em fazer das ruas a sua casa. Por
que os incorretos gostam de burlar sua invisibilidade sujando as paisagens?
Andei pelos
trilhos até chegar ao Centro do mundo. Mas, durante o trajeto, blindei os
ruídos cotidianos com muita Celine Dion e literatura feminina boboca. Em meu
mundinho, não fui capaz de perceber o pôster torto, o cara suando, o bebê com o
brinquedo, a velha sem dente, o gatinho com seu tablet e uma briga pelo celular.
Preferi adentrar na solidão mais coletiva do dia.
No
arranha-céu cheguei e lá fiquei até escurecer o sol. Tirando tudo que acontece
igual, das laudas ao recreio tititi com cheiro de café, reparei na ferrugem que
saía do ar, na recepcionista que não veio, no sol que brilhava e continuava a
sorrir para mim lá fora. Matei o meu leão do dia, fechei a tela e me
desconectei das obrigações que enobrece o homem - mas que possibilita comprar
pilhas de sapatos.
Saltitei
nas pontas dos pés, no zig zague das pedras portuguesas, tentando não
desequilibrar até entrar nos trilhos. Enlatada segui na turbulenta e barulhenta
volta para casa. Agora sim, li o pôster perfeitamente colocado, senti o suor do
cara gordo, brinquei com o bebê, cedi o lugar para a velha sem dentes, sorri
para o Gianecchini com o tablet e fui obrigada a não concordar com os motivos
deletáveis da briga do casal no celular.
O vento deu
lugar à lua e o sol ao brilho de maresia molhada. E assim voltei que nem
oferenda de iemanjá para o ponto de partida, sabendo que amanhã será
sensivelmente diferente dentro de uma rota que não necessita de bússola, mas de
poesia, não para sair da rotina, mas sim da chatice.
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