quarta-feira, 6 de março de 2013

Os segredos que o olho oculto conta



Acordei tropeçando na falta de vontade de sair do mundo dos sonhos. Mas tive que deixar meu casulo ao som do cuco e os abraços do algodão quente para mergulhar nas águas frias do despertar. E assim, o dia sorriu para mim. Preenchi o rombo no estômago com o sabor da manhã. Alimentei o corpo... agora sairia para alimentar a vida e abastecer o bolso.

Desci no elevador teco-teco e caminhei através da paisagem urbana arborizada para mais um dia tradicionalmente comum. Conversei com o vento para parar de bagunçar meus cabelos e senti o cheiro verde das plantas. Senti também o cheiro amarelo dos bichanos domésticos e daqueles que cismam em fazer das ruas a sua casa. Por que os incorretos gostam de burlar sua invisibilidade sujando as paisagens?

Andei pelos trilhos até chegar ao Centro do mundo. Mas, durante o trajeto, blindei os ruídos cotidianos com muita Celine Dion e literatura feminina boboca. Em meu mundinho, não fui capaz de perceber o pôster torto, o cara suando, o bebê com o brinquedo, a velha sem dente, o gatinho com seu tablet e uma briga pelo celular. Preferi adentrar na solidão mais coletiva do dia.

No arranha-céu cheguei e lá fiquei até escurecer o sol. Tirando tudo que acontece igual, das laudas ao recreio tititi com cheiro de café, reparei na ferrugem que saía do ar, na recepcionista que não veio, no sol que brilhava e continuava a sorrir para mim lá fora. Matei o meu leão do dia, fechei a tela e me desconectei das obrigações que enobrece o homem - mas que possibilita comprar pilhas de sapatos.

Saltitei nas pontas dos pés, no zig zague das pedras portuguesas, tentando não desequilibrar até entrar nos trilhos. Enlatada segui na turbulenta e barulhenta volta para casa. Agora sim, li o pôster perfeitamente colocado, senti o suor do cara gordo, brinquei com o bebê, cedi o lugar para a velha sem dentes, sorri para o Gianecchini com o tablet e fui obrigada a não concordar com os motivos deletáveis da briga do casal no celular.

O vento deu lugar à lua e o sol ao brilho de maresia molhada. E assim voltei que nem oferenda de iemanjá para o ponto de partida, sabendo que amanhã será sensivelmente diferente dentro de uma rota que não necessita de bússola, mas de poesia, não para sair da rotina, mas sim da chatice. 

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